segunda-feira, 7 de março de 2011

OS NEGROS NA PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA BRASILEIRA




O Brasil é conhecido como o país em que os múltiplos aspectos das relações raciais, do simples convívio nos lugares públicos até o casamento, podem servir de modelo a muitos outros povos. (FREIRE-MAIA, 1985, p.9)[1]

A fala de Newton Freire-Maia vem trazer à tona uma discussão antiga e já mofada nos livros de História, nas teorias marxistas que versam a luta de classes, dentre outros discursos empreendidos por uns e outros. Para tanto, trazemos os chamados “Intérpretes do Brasil” para responder alguns questionamentos: a presença africana em nosso país é tão prejudicial para a construção da sociedade brasileira, como apontam alguns discursos tradicionalistas, causando até mesmo um desconforto na construção de um sentimento que gera uma identidade do Brasil? A figura do “negro” será a principal responsável pela miscigenação do nosso país? Seria essa miscigenação prejudicial para uma formação identitária da nação brasileira?... Os discursos e questionamentos são infinitos...
Analisando Casa Grande & Senzala, obra de Gilberto Freyre, a sociedade pernambucana é um modelo para o que acontecia no Brasil Colônia e Império e nos importa a figura de duas instâncias do período colonial para comprovar tal afirmação – a Casa-Grande, espaço de centralização e cristalização do poder senhorial, bem como do espaço da Senzala, que versa um ambiente mais simples e de condições precárias, haja vista ser o meio de vivência dos escravos, demonstrando-nos, portanto, uma forte divisão política e, logicamente econômica.
Ao mesmo tempo em que a obra de Freyre nos dá um ar de saudosismo e de construção de uma sociedade portuguesa a valores bem típicos do Brasil, também nos sugere uma profunda reflexão dos acontecimentos – mesmo de forma literária – que se passavam dentro daquele meio social, de modo que ele penetra no âmbito da senzala chegando a evidenciar cultura de um povo, ou povos que mesclaram seus saberes e ritos religiosos, bem como fala.

As evidências históricas mostram assim, ao lado das pesquisas antropológicas e de lingüística realizadas por Nina Rodrigues entre os negros da Bahia, a frouxa base em que se firma a idéia da colonização exclusivamente banto no Brasil. Ao lado da língua banto, da quimbunda ou congoense falaram-se entre os nossos negros outras línguas-gerais: a gege, a haúça, a nagô ou ioruba – que Varnhagem dá como mais falada do que os português entre os antigos negros da Bahia. Língua ainda hoje prestigiada pelo fato de ser o latim do culto gege-iorubano. (FREYRE, 2006, p.385)

Gilberto Freyre (2006), em Casa-Grande & Senzala, irá mergulhar no estudo de comportamentos das sociedades que compõem a sociedade brasileira, no caso, as duas sociedades abordadas são a elite portuguesa (o colonizador europeu) e os escravos. Tal como foi dito antes, ele fará um estudo aprofundado das raízes desses povos chegando ao consenso de uma única raça, um só povo, mesmo apoiando o que já fora dito por Varnhagem em 1850 na sua obra História Geral do Brasil. Freyre, apesar de muito parecido com Varnhagem, no tocante a sua posição social, defenderá, em alguns aspectos de sua construção narrativa, abordará um Brasil mais moderno e mais cultural.

Como historiador, o que Freyre fez foi uma transposição, uma transferência de si mesmo ao passado brasileiro, para revivê-lo empaticamente, em sua intimidade, em seu espírito. Sua história criativa do Brasil despreza tudo da história político-militar por uma vida rotineira, onde se sente melhor o caráter do povo. (REIS, 2007, p. 54).

No tocante as idéias de cultura, Nina Rodrigues concorda com Freyre ao dedicar em sua obra, Os Africanos no Brasil, um capítulo sobre a sobrevivência da cultura afro. Segundo Nina Rodrigues os dialetos, religiosidades, folclore, festas e tradições são trazidas com os “negros” da África e, no intento de construir um refúgio africano no Brasil, estes preservavam e festejavam entre si e longe do olhar do homem branco, o colonizador. Isso vem a caracterizar profundamente a escravidão brasileira que delimita bem o espaço do senhor e do escravo, onde não se misturavam – se referirmo-nos aos espaços de poder tão marcantes e presentes na narrativa de Gilberto Freyre –, não se relacionavam, nem se falavam, embora que nas entocas da senzala e das casas-grande houvesse não somente comunicação, mas sim relações sexuais.
Nina Rodrigues defende a idéia quanto à preservação do dialeto negro, demonstrando assim o quão fora presente à escravidão que, até em nossas produções historiográficas se privou da liberdade, a cultura e línguas trazidas pelos africanos. Ele ainda discorre acerca da influência do dialeto afro na língua brasileira:

Seria, portanto, ilusória a esperança de que, mesmo depois do tráfico ter sido extinto, os estudos feitos no Brasil sobre as línguas africanas pudessem aproveitar grandemente a solução das importantes questões filológicas que essas línguas suscitam. Da influência exercida pelas línguas africanas sobre o português falado no Brasil – problemas cujo menosprezo não poderia ser contado em ativo nas faltas dos nossos maiores, pouco adiantados andam, ao que parece, os conhecimentos pátrios. (RODRIGUES, 2008, p.115)

Nelson Câmara embora não contradiga, nem ignore os discursos de Freyre e Nina Rodrigues, não enxerga a escravidão como um produto cultural, mas sim como um produto da história, não vindo a deter-se a aspectos culturais deixados pelos africanos durante o processo escravista, mencionando, tão somente, os tipos de escravidão e, neste sentido, põe-se em questão a figura do índio e, depois do negro.
Partindo dessa concepção de sociedade e regime escravista, Câmara discorrerá do objetivo central da colonização em nosso país e inserir o nativo brasileiro nesse processo, mencionando que, mesmo com a “proteção divina” dada pela Igreja Católica a fim de melhorar o relacionamento com os mesmos, bem como evitar possíveis derramamentos de sangue pela causa colonizadora; os colonos irão caçar os nativos e, a partir dessa análise é dada ênfase na figura do africano tanto na sociedade como na produção historiográfica brasileira irá servir de maquiagem para esse tipo de prisão da liberdade. Como bem afirmamos, na narrativa de Nelson Câmara o negro aparece inserido dentro do processo histórico como personagem principal. E sobre isso ele descreve a escravidão em seu sentido histórico e também descreve acerca do processo abolicionista como sendo um produto de ideologia e não de uma imposição.


[1]  FREIRE-MAIA, Newton. Brasil: laboratório racial. 7ª ed. Petrópolis: Vozes, 1985.

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